sexta-feira, outubro 14, 2011

JOGO DE LUZES E TREVAS- Olhares sobre Idade Média e Renascimento

Introdução

Podemos visualizar a análise de um determinado período em nossa história, como sendo uma peça de um quebra cabeças em movimento contínuo. Quando dizemos “a evolução da história”, significa dizer o mesmo que “a evolução dos historiadores”, ou melhor, dos montadores do quebra cabeças. Muda o historiador, muda o passado. Exemplo bem recente de uma nova peça que reconfigurou todo o jogo, de uma nova perspectiva sobre uma época, são os últimos estudos sobre até então pouco tempo, a famosa e brusca ruptura que haveria entre o Renascimento (estabelecido entre os anos de 1450 e 1750), e a Idade Média, popular Idade das Trevas (476 d.C a 1450), compreendida como uma época de “parada” ou retrocesso até, num suposto desenvolvimento que vinha ocorrendo na Europa desde a antiguidade clássica. Novos historiadores, como Jaques Le Goff, da Escola dos Annales, trazem novas peças, novos olhares, e nos fazem questionar como teria sido essa ruptura entre os dois períodos que a história tradicional convencionalizou.

A busca pelo conhecimento nas duas épocas

O período que sucede a Idade Média é chamado Renascimento pelo ressurgimento do interesse nos estudos da civilização grega, mas sabemos que os gregos nunca deixaram de ser traduzidos pelos sábios medievos, e como lê-se na revista História Viva, Enciclopédia Ilustrada de História 4, pág 268, “textos de escritores pré-cristãos tenham sido copiados e lidos na Europa cristã pelo menos desde o tempo de Carlos Magno”. Claro que com a invenção dos tipos móveis de Gutemberg, que revolucionou a imprensa, dá para imaginar que o conhecimento foi divulgado rapidamente para além de seus poucos detentores. A impressão de livros e jornais concretizou uma época de criatividade talvez jamais repetida. A época do Humanismo.
Tamanha criatividade, ousadia e fascínio dos renascentistas nos dão a impressão de realmente ser uma época de trevas a anterior, no sentido de não haver amor e busca pela sabedoria. Mas até hoje estudamos na mesma estrutura de universidades, criação desse mal falado período, num certo “refúgio da cultura”. Na mesma revista, pag.268, afirma-se: “O contato com o mundo muçulmano e o Império Bizantino deu acesso a obras de filósofos e cientistas islâmicos e da Grécia Antiga”. A seguir, duas imagens de cada um dos períodos, onde podemos observar elementos que mostram as diferenças na forma de buscar a sabedoria.




Durante a Idade Média, nos mosteiros, copiavam-se clássicos, tratados de gramática e comentários críticos sobre as escrituras. Podemos citar como grandes influências as obras de Hipócrátes, Galeno e Avicena. Segundo a revista história viva de março de 2005, pág 55, “mesmo aqueles que entusiasmados pelas coisas do espírito, se mantiveram nos domínios mais austeros da filosofia e teologia, redescobriram, por meio de Aristóteles, todo um saber pagão”. A semente estava lançada.
Agora uma imagem pintada por Hans Holbein em 1533, na corte do rei inglês Henrique VIII. Jean de Dinteville é retratado com amigo e entre eles, objetos que sugerem riqueza e sabedoria. Com objetos como esses, a renascença superou autoridades médicas da antiguidade como Galeno e corrigiu a cartografia do grego Ptolomeu. E o acesso direto, através do livro, da palavra de Deus, foi um grande impulso para a Reforma.




Obra cheia de simbolismo, inclusive ocultos, como a caveira distorcida bem à frente, lembrando a morte. O conhecimento através dos instrumentos científicos que serviam à navegação e medição do tempo. O globo terrestre, mostrando constelações e o livro que é coletânea luterana de hinos religiosos.
Enquanto na primeira imagem, da Idade Média, vemos apenas um conhecimento sendo adquirido, transmitido, na segunda imagem, temos os instrumentos para uma possível observação direta da natureza e a clara alusão à dissecação de cadáveres, uma prática até então pecaminosa, mas que veio a ser fundamental nos avanços dos estudos de anatomia. Era o homem apoderando-se do conhecimento, sistematizado por seus famigerados antecessores.

Considerações Finais

O movimento desse quebra cabeças que é a história é contínuo porque à luz de novos historiadores, aparecem sempre novas peças, ocultas até alguém perceber (bem ao gosto dos artistas renascentistas em suas obras). A Idade Média não foi uma idade obscurantista do ponto de vista de busca de conhecimento. Ela foi o que poderia ser, dado a estrutura mental da época. Mas impulsionou, com suas universidades, e cruzadas, o dito “progresso” dos tradicionais. Então, não está separada dele, antes, é responsável por ele, mesmo sendo opositora em crenças. E se ousando pensar a história assim, em uma eterna construção, eterno encaixe, a derradeira, a versão final, fica com impossível acesso, ao mesmo tempo, mesmo que inconclusa, fica certamente mais completa.